sábado, 21 de agosto de 2010

Gênesis de um homem melhor


"Cristal quebrado, tesouro roubado, gelo em brasa, asa nada, água de mar, olhar dourado, libido casto, não ficou rastro do meu amor, se perdeu, naufragou..."

E foi assim que ele deixou se perde o orgulho que sempre trouxe consigo. Falou tudo que tinha que falar, confessou o mais insano desejo que por meses acalentara. Não estava arrependido do que fizera, afinal nem fora uma opção a entrega, a doação. Apenas tinha de ser assim... Estava, agora, cansado de tudo isso. Seria bom ter um colo onde chorar. Na falta disso, voltou para casa, seu abrigo abandonado, o porto há muito deixado.
Fizera mais do que o possível, mais até do que poderia ter feito. Doou de peito aberto o maior amor do mundo, sem medos. No início tentou se proteger, evitar grandes danos. Depois, esqueceu disso. Se tinha de ser, que fosse de corpo inteiro. Viveu aquilo como quem vive pela primira vez na vida. Tentou de tudo, fez de tudo. Só não queria confessar, se entregar com palavras. Era orgulhoso e detestava falar do que sentia, do que intimamente desejava. Se entregava, sim, sempre, em tudo mais: gestos, atitudes, olhares. Com palavras, não. Estas reservara, desde sempre, em um baú de onde nunca deveriam ser retiradas. Prometera até, certa vez, nunca tirá-las de lá. Leda jura a dele...
Um dia, então, se entregou, confessou, nada negou, abandonou todos os controles. Já havia dito de todas as outras formas que poderia dizer, mas não fora suficiente. Era que ainda não havia falado da maneira que desejavam ouvir. Lhe pediram a confissão clara e aberta, sem metáforas, sem rodeios, de forma direta. Sem escolha, fez: falou, disse, confessou, se entregou. E foi rejeitado, claro...
Era apenas o fim do jogo. O gato não mais iria perseguir o rato, a história já não seria como antes. Sentia-se humilhado, com o orgulho pisado. Se era para negar de maneira tão imediata, por que então pedir a confissão. Queriam apenas lhe humilhar. Qualquer um sabia que ele era orgulhoso. Agir daquele modo não fora justo.
Apesar do mal feito, ele não chorou. Doeu, sempre doi muito. Mas em muito mudara. Apredera que o nunca não existe, que a vaidade pode fazer mal, que o orgulho fazia parte dele, mas que poderia viver bem sem ele. Estava, agora, ferido e ainda sangrava. Sabia, porém, que as feridas sempre cicatrizam, que as dores um dia passam e que a vida continua. Se ocuparia com muito trabalho, deixaria de pensar em sua própria vida por uns dias, escutaria mais os problemas dos outros. Queria mesmo era viajar. Sem poder, os livros na estante já tão sem importância lhe fariam compainha. No final, ficaria bem, estaria inteiro, mesmo que marcado.
Não queria vingança, não gostava disso. Queria apenas viver. Orgulhoso ele sempre seria, confesar não deixaria de ser difícil. O fato, porém, era que agora sabia ser forte o suficiente para sobreviver a confissão, a rejeição e ao orgulho pisado, tudo junto. Se arriscaria mais a partir dali. Sofreria e sorriria mais vezes e mais intensamente. Seria um homem melhor.