quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Amor, esperança e vida


Isso de se doar, doar parte do próprio corpo na tentativa de ajudar a outrem, em definitivo, não é fácil. Não digo que é necessário ser “Digimon evoluído” para tanto. Não se trata disso. Apesar de não servir como regra, procuro pensar em doação, generosidade, entrega, como uma necessidade pessoal. É a porção que me completa, compensa minha pequenez e, o mais importante, me aproxima de Deus.
Passei ontem a noite por um procedimento de coleta de células-tronco da medula óssea. Após cinco dias de estimulação com três injeções diárias de um estimulante da proliferação dessas células, ontem, enfim, deu-se a coleta. O procedimento, apesar de seguro, tem seus desconfortos. Ver por cinco horas meu sangue saindo pelo braço direito, circular em uma maquina barulhenta instalada ao lado de meu leito e, só então, retornar pelo braço esquerdo, não foi algo exatamente agradável de presenciar.
A imobilidade dos braços exigida durante todo o procedimento os deixou doloridos até agora. Juntem-se a isso as náuseas que me levaram a êmese no meio da coleta e os efeitos colaterais dos anticoagulantes utilizados. Por diversas vezes quis pedir que interrompessem. A força e apoio da equipe de enfermagem que me assistia e a imagem, mesmo que imaginada, do futuro receptor, não me permitiram tanto.
Durante as horas de coleta, por vezes me vi em angustia desmedida. Como adjuvantes, as emoções contidas nas últimas semanas, geradas pela ideia crescente de minha partida próxima, e pelas despedidas dolorosas das quais não tive como me esquivar recentemente. O frio e a penumbra daquele quarto completavam o cenário. Sentia que, conforme saiam de mim as células “superpoderosas” que mudariam uma vida, um fluxo de emoções, de sentimentos bons e ruins, também se formava.
Havia ali
dor e amor,
tristeza e alegria.

Misturadas,
saudade e solidão.
Juntas ao medo,
desafiavam minha
valentia.

Restavam-me,
então,
as lágrimas.

Era como se a vasão física impulsionada por uma maquina estimulasse meu espírito a se derramar. Impossível conter as lágrimas... Estava, então, eu, trêmulo de frio, de braços abertos e rosto molhado. A angustia, aos poucos, começou a dar lugar a paz.
Enfim, concluí a coleta. Que sensação mais estranha! Não saberia descrever, a não ser por meio de uma analogia. Estava eu, a meia noite, naquele apartamento de hospital, com o corpo mastigado, dolorido, um pequeno curativo em cada um dos braços, rosto e pernas ainda formigando. Sentia como se tivesse parido. Obviamente nunca terei como saber, de fato, se a sensação é a mesma. Mas, naquele momento, eu era uma mãe, a qual acabara de dar a luz. Sentia um alívio, como se algo tivesse saído de mim, mas me tornado maior. Havia paz ali, naquele momento. E a sensação rara de dever cumprido... Junto a uma enfermeira chamada Vitória (uma daquelas coincidências nada acidentais), parira uma pequena bolsa de amor, esperança e vida. Em mim, ficava a certeza de que, doar-me, mesmo em meio a angustia e dor, me fazia melhor, me tornava mais feliz e certo de que a vida vale sim muito a pena!

quinta-feira, 19 de julho de 2012

"Too much silence can be misleading..."


Lugar perfeito para se pensar... Tinha que registrar!

"When your mind is a mess,

So is mine,
I can't sleep,
'Cause it hurts when I think.
My thoughts aren't at peace..."


Tenho que confessar - nunca soube como agir diante de situações que me deixavam fragilizado, vulnerável, sem saber sequer para onde direcionar o olhar. Com o tempo, decidi que me portaria de modo resoluto todas as vezes que me sentisse assim. Não que acreditasse que tal atitude afugentaria a insegurança, era apenas a única opção de que dispunha.
Deu certo, pelo menos eu achava que estava dando. Ao menor sinal de insegurança, vestia-se a capa de homem seguro, de metas definidas, ideias bem trabalhadas e entrava em cena. A tudo, acrescentava um acessório final, imprescindível e sempre infalível, valendo-me da velha ideia “meu silêncio será a resposta”.
Descobri, contudo, que a vida não se trata de uma receita de bolo, um punhado de algoritmos ou linhas retas moldadas em uma régua. Ao contrário, de curvas desconhecidas são os dias, alguma delas tão aguda que é mesmo impossível não se acidentar... Entendi, assim, que na vida, o que cabe aqui, não se encaixa ali; a performance perfeita que faz vencer um grande debate, de nada serve quando os sentimentos menosprezam a razão.
Demorei a chegar a essa conclusão, mas pior que a demora é perceber o que deixei passar durante o tempo em que simplesmente me calava, não discutia. Dizia até não ter o que discutir. O óbvio me cegava! Acho mesmo que fui incapaz de lutar pelo que queria, por quem queria.
Claro que em tudo isso há uma bela parcela de orgulho, algumas pitadas de medo (de não convencer, de ser rejeitado, de saber-me limitado). Acho até que sabia que não agia certo, que aquilo de silenciar quando mais precisava falar me machucava. Contudo, acreditava cegamente que de outra forma seria pior. Mostrava-me alheio ao que sentia para não ter que daquilo falar. Se é que “a boca fala daquilo que o coração está cheio”, calar era não admitir, não me entregar, não me mostrar.
O resultado desse erro de análise nem posso calcular. Sei apenas do que ficou cá preso no peito esperando por ser proferido. Tento livrar-me aos poucos desse peso na escrita, não sei se cura, mas alivia.

"And know that if I knew
knew all the answers I would
not hold them from you'd
know all of the things that i'd know
we told each other, there is no other way"



Não deixei de ser um amante da linguagem não verbal. Ainda me fascina o imponderável - as canções que vem do olhar, o simples toque convertido em tatuagem, o perfume embriagante que parece querer me levar para outra dimensão... Talvez, tudo isso ainda seja fundamental para mim. Porém, agora, sei que não basta, não é suficiente, nunca poderia ter sido o tudo. Fui pretencioso ao achar que poderia prescindir das palavras. Não posso, admito.
E agora?! E tudo o que passou (ou que deixei passar)?! Volto atrás, digo tudo o que calei ao longo dos anos??! “Ah, meu caro, como bem disseste, passou, não tens como recuperar”. Poderia até tentar, mas já não há quem possa escutar. Escrevo, então, o que ficou por ser dito, um tributo às palavras sufocadas.

“Quizás lo que
Se quedó por ser dicho
Pueda ser escrito

Ojalá lo que
A ti,
No pude yo
Confesar,
Sea, algún día, al menos
Leído.

Quizás, Quizas, Quizas…”

Santa City, 09 de julho, 2012

quarta-feira, 7 de março de 2012

Don't you shiver?!


“But on, and on,
From the moment I wake
To the moment I sleep
I’ll be there by your side
Just to try and stop me
I’ll be waiting in the line
Just to see if you care
Did you what me change?
Well, I've changed for good
And want you to know
That you'll always get your way
I wanted to say
Don’t you shiver?!”


O melhor da dor é o deixar de senti-la. Quando as lembranças que tanto causaram sofrimento já não mais nos desconsertam, aprisionam ou fazem chorar, um ciclo foi concluído, uma página foi virada.
Me dei conta disso agora há pouco, escutando Shiver no caminho da UEPA para casa. Minha memória não é daquelas descritivas, detalhistas como a de uma certa professora hematologista que tenho, a qual sempre lembra dos detalhes das histórias de seus pacientes (detalhes mesmo, como níveis de hemoglobina, valor da creatinina, data da última consulta...). Não sou assim, definitivamente.
Minhas lembranças são desconexas, não seguem um padrão lógico, não estão fixas na temporalidade. As histórias e momentos que tenho na memória estão sempre associados a sentimentos, mesmo que, por vezes, seja o de indiferença.
Já escrevi sobre as recordações em perfumes, fotos, músicas e poesias. Agora percebo que minhas lembranças não estão nas fragrâncias, imagens ou melodias. As notas aromáticas ou musicais, os tons das fotografias e os versos da poesia são, na verdade, uma linguagem, um código que uso para armazenar os momentos importantes vividos.
Soa romântico isso. Talvez seja. O certo é que é perigoso, muito. Por mais que não queira, às vezes, ao escutar uma canção, sentir aquele perfume ou vagar por um álbum abandonado os arquivos mortos, a caixa preta abarrotada de recordações proibidas (e dolorosas) é aberta, revolvida, todo seu conteúdo é exposto. Pelos próximos 15 minutos permaneço atônito, irresponsivo. Isso se a música para logo, o perfume sumir rápido. Cinco minutos exposto a um desses artefatos pode ser fatal – um dia inteiro de melancolia.
Porém, não é disso que falo aqui. Stop crying your heart out, que já havia escutado dezenas de vezes, ontem me fez refletir sobre isso de recomeço, da espera que leva ao novo, da paciência que resulta em convalescença.
“ ‘Cause all of the stars
Are fading away
Just try not to worry
You see them someday
Take what you need
And be on your way
And stop crying your heart out”

Volto a Shiver para concluir. Essa era uma das canções-código de meu arquivo morto. Dolorosa demais, fazia lembrar dos dias passados. Hoje, não mais. Melodia deliciosa, cheia de uma poesia tão meu estilo (um gostar expresso em doação incondicional, que estremece, arrepia). E só!
Não significa que esqueci, que aquilo que causava dor deixou de existir. Não deixa. A lembrança continua lá. O que foi embora, hoje, enquanto dirigia da UEPA para casa, foi a dor. Ferida fechada, ferida sarada. A cicatriz não tem que doer.