sábado, 8 de outubro de 2011

Bilhete em papel jornal

Querida,

As vezes tudo se perde. Uma música, antes dolorosa e insuportável, é novamente apenas mais uma canção. Perfumes esvaecem, imagens desbotam. É o amor que agoniza, enfim. Um último suspiro ensairá, mas por falta de platéia, não poderá encena-lo. Estárá morto em poucos segundos.
Talvez não imagines como é isso de amor morrido. Se achas que é paz, a inocência perdida por fim recuperada, engana-te. Ao contrário, é um peso dentro da gente, um algo que não te abandonará por mil anos. Cicatrizes são para sempre e as tempestades de dentro não se apagam com um sol apenas.
Nada volta ao mesmo lugar. Solo que abrigou guerra jamais volta a ser o que era antes. Terras arrasadas!
Um dia entenderás tudo. O peso não sairá do teu peito e a triteza ainda te assaltará soturnamente. Mas saberás que não tivestes culpa, que não havia outra opção, tinhas que te entregar. Resistir por mais alguns segundos de nada adiantaria.
Nesse momento, se ainda for capaz, se ao menos isso te restar, desce à praia, procura a margem daquele rio e chora. Tuas lágrimas serão, então, o mar - imenso, eterno e solitário.
Não apagarás de todo o que vivemos. A diferença é que com perfumes esvaecidos e imagens desbotadas, estarei ainda mais em ti. Não mais como um rosto ou cheiro gravados na memória. Serei, então, parte de ti, pedaços do teu ser. Me esquecerás, mas jamais deixarás de me sentir.
Fique calma - isso será apenas o fim.
Depois, virá o começo, um novo. Desejo que não tenhas medo.

Com amor,
ainda,

(o anônimo que vos escreve)

domingo, 3 de abril de 2011

O sonho do Menino

O Menino tinha cansado de seus próprios sonhos. Ainda acreditava neles, mas a desesperança gerada pelos últimos acontecimentos em tudo se refletia. As pretensões (enormes) que um dia tivera, agora eram vagas lembranças de um tempo que possui no peito um inesgotável estoque de energia, que tornava fácil alcançar o impossível. Mas os planos desfeitos, as relações partidas, as cobranças de um mundo que, por mais que tentasse, não compreendia, sufocara esse algo precioso que desde sempre possuíra.

Não estava infeliz. Tinha sua família, seu trabalho, algum dinheiro guardado na poupança e, acima de tudo, confiava em um Deus. Estava apenas cansado, não queria mais ser o mesmo, pensar o mesmo, agir da mesma forma. Pela primeira vez em sua curta e não tão nobre existência, queria menos da vida. Ele precisava de um tempo só. Diferente das outras vezes que estivera em crise, a solidão desta vez não seria empregada em profunda divagação sobre a vida. Precisava mesmo apenas ficar só, dormir só, caminhar sozinho.

Contudo, era um menino (quase homem) com muitas responsabilidades, parte delas bem desnecessárias. Não seria tão simples desatar os compromissos assumidos. Teria de aguentar, em silêncio a balbúrdia que o cercava. Estaria mais pálido a partir de então, sem a força e entusiamo tão característicos, mas ainda assim, estaria lá, cumprindo seu papel, por mais que já não acreditasse nele.

Um momento, porém, possui de alivio naqueles dias. Ao deitar, todas as noites, em pensamento se transportava para uma praia distante. Ali moraria. Não deixaria seu trabalho, família e tudo mais. Não. Mas a vida seria diferente. Já que passara a querer menos do mundo, almejar postos mais baixos, tinha o direito de viver mais e ser mais feliz. Agora, no trabalho faria horário comercial, dos cargos e posições se livraria, das reuniões tão tolas e improdutivas não mais participaria. Seria, enfim, um menino de novo, capaz de transmitir nos olhos a certeza que o melhor do viver é, apesar de tudo, sonhar.