sábado, 27 de novembro de 2010

De perfumes, músicas e lugares esquecidos



Tenho sido só saudades nesses dias. Aquela música, um certo perfume, os lugares que me fazem lembrar de coisas que vivi me interpelam a todo momento. Vem a sensação que nunca consegui definir se boa ou ruim, se gostaria ou não de sentir.

É algo que sequer pede permissão para entrar no peito e, quando percebo, já me dominou por completo. Trazem de volta o que um dia acabou, alguém que há muito partiu. Nem sei como isso acontece...

As vezes acho que tudo não é mais que consequência de um clima mais ameno que domina esta época do ano. Dias de chuva me tornam melindroso, me deixam um tanto carente... Junta-se a isso essa atmosfera de fim de ano. As festas e comemorações, mais uma vez, só pioram minhas emoções. Tento lembrar como estava há um ano, em quem pensava, o que planejava. Inevitável nã calcular as perdas e ganhos do ano.

O que me deixa triste, agora, no entanto, é a certeza que há balanço negativo, desde já, este ano. Ganhei muito, é bem verdade: vivi mais intensamente, estou apaixonado por algo que farei por toda minha vida, conquistei o espaço que almejei... Perdi menos vezes, mas nos pontos mais valiosos: perdi amigos, pessoas a que amava, perdi um pouco da força que tinha, da esperança que me impelia.

Porém, de um modo ou de outro, continuo. Incompleto, com o que há de mais nobre em um viver sufocado, procrastinado. Forçadamente esqueço o que doeu nos dias que passaram. Os perfumes, músicas e lugares continuarão a me importunar, sorrateiramente continuarão a me assaltar, trazer um pouquinho da algia sentida de volta. Mas, aí, 'guento, me recolho em recordações, fujo em meus livros, me embalo ao som de um piano.

Depois que passar, nego tudo: nunca sinto saudades de ninguém, mesmo que a falta de um certo você tenha me inspirado a isso escrever.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

O João-de-Barro e a Passarinha


Um dia ele enfim encontrou uma companheira. No futuro, agora não seria mais sozinho, o João-de-Barro. Sempre estaria com ela, pensando nela, feliz com ela.
Não foi fácil para o pássaro bobo e e pouco experimentado nessas coisas de sentimento aceitar sua louca paixão por aquela passarinha. Só fez isso quando já não podia enganar a si mesmo e, assustado com a idéia de se tornar um mentiroso, passou a se aceitar como vassalo de sua amada.
Ela fazia o tipo independente, teimosa e muito experiente, mas nada além de uma garotinha linda que vivia a sonhar em um "não-sei-quê" o dia todo. Era imaginativa, inteligente, interpretava metáforas como ninguém. Só um defeito possuia, mas aquele a que a tudo atrapalharia: ela, a passarinha, não gostava do João-de-Barro.
Para ela isso estava claro, no máximo o que teriam seria uma aventura, ou nem isso se duvidassem. O pequeno fato que, mais tarde, arrasaria o pobre passarinho é que ela jamais revelaria a verdade assim, tão aberta e sinceramente. Não, claro que não... Afinal, não perderia essa perversa diversão. se divertiria primeiro com o tolo a quem conquistara.
E assim aconteceu. Ele fez tudo, absolutamente tudo mesmo por ela. Já não cantava para outra se não para ela. A meia dúzia de pensamentos que carregava em seu cérebro minúsculo de passarinho estavam sempre nela. Vivia para aquela que imaginava ser sua passarinha. Até construiu uma casinha para os dois viverem juntos. Por dias trabalhou para isso, buscando barro na ponta do bico para modelar seu ninho. Fez tudo e com tanto amor que não se deu conta do que estava acontecendo.
Ela, sempre daquele jeito bandido, seduzindo o pobre coitado. Tudo nela parecia um feitiço para ele. Os olhos, brilhantes e cor-de-mel; o voar, com um bater de asas que aumentava a pulsação de João; o perfume, o inebriava; também as penas, o bico, a voz e tudo mais que fosse dela. Estava perdido, enfim, condenado!
A passarinha, todavia, sempre naquela, "não te quero, mas fica do meu lado". E ele, sem opção (não que quisesse uma...), ficava.
E assim foi, um mês, dois, seis e um ano. Até brigaram uma vez, mas depois voltaram ao mesmo jogo, bastou ela fazer sinal.
Aí, um dia, ela (claro!) decidiu acabar com tudo, sem dizer nada. Apenas falou que iria embora, para outro lugar, outra vida. Tinha cansado daquilo em que vivia (dele).
E foi... Numa manhã de outono partiu.
Dele nunca mais se ouviu falar.